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Política • 12 maio, 2023

Minha guerra contra as máquinas (por Woody Allen)


 

Faz alguns anos, eu fui para Hollywood procurar emprego. Vi um anúncio no “The New York Times” que dizia “Precisa-se de estagiário para trabalhar meio período dirigindo Cleópatra”. Aí eu fui pra Costa Oeste e, numa dessas, acabei numa festona onde peguei a filha bem pouco atraente de um produtor.  Ela era feia, mas eu era um alpinista social. Pra você ter uma ideia, a cara dela lembrava a voz do Louis Armstrong.

Nessa mesma festa, conheci o dono de um grande estúdio que me ofereceu um trampo. Ele queria fazer um musical cinemascope e super cabeça sobre o sistema decimal e me chamou para dar um trato na coisa. Eu tinha acabado um trabalho como roteirista em Nova York para um programa de TV chamado “Divórcio Surpresa”. Toda semana, a gente pegava um casal feliz na plateia e divorciava ao vivo.

Por conta disso, acabei pegando o trabalho.

Então fui ao escritório dele, em Burbank. Fui até o prédio, entrei no elevador e não tinha nada dentro. Não tinha pessoas, não tinha botões e nem ascensorista. Nada. Então eu escutei uma voz: “Por gentileza, diga o andar, por favor”. Olhei em volta e não tinha ninguém. Escutei de novo: “Por gentileza, diga o andar, por favor”. Entrei em pânico. E sempre que isso acontece, eu perco o controle muscular do esfíncter. Finalmente notei a placa na parede: “Este é um elevador operado por som. Por favor, diga sua destinação e ele o deixará lá”.

Então eu falei: “Terceiro, por favor”.

As portas se fecharam e ele me levou para o terceiro. No caminho, fiquei preocupado porque meu sotaque é muito novaiorquino e o elevador falava muito melhor do que eu. Eu saí e, quando estava no corredor, pensei ter ouvido o elevador fazer um comentário maldoso. Voltei rapidamente, mas as portas se fecharam e ele foi embora. Achei bom porque eu não queria arrumar treta com elevador, especialmente em Hollywood.

E é aí que começa a parte paranoica da história. Eu nunca me dei bem com objetos mecânicos. Tenho problemas com tudo que eu não posso conversar, beijar ou acariciar. Meu relógio anda em sentido anti-horário e a minha torradeira treme inteira antes de esturricar meu pão. Ah, e eu odeio meu chuveiro. Ele me odiou antes, então estou só retribuindo a hostilidade. Se estou tomando banho e alguém abre a torneira em algum lugar dos Estados Unidos, pronto! Saio do banho com um vergão vermelho nas costas.

Paguei 150 dólares por um gravador e toda vez que eu ligo, ele diz “ih, vai começar o blábláblá…”.

Eu tenho uma polaroid. Primeiro ela começou a levar dois minutos para revelar a foto. Eu deixei. Aí ela passou pra cinco minutos. Um dia tirei um retrato e ela me entregou uma mensagem “Volte amanhã para pegar suas fotos”. É o que dá ser gentil com uma câmera.

Eu tenho uma lâmpada solar. Cada vez que ligo, ela chove em mim.

Ok, teve uma noite, há alguns anos, eu estava em casa sozinho, então aproveitei e chamei todos os eletrodomésticos para uma reunião. Tudo o que eu tinha. Minha torradeira, meu relógio, meu liquidificador. Todos na sala de estar. Alguns deles nunca tinham estado numa sala de estar antes. Então eu falei, olhando para cada um deles: “Sei muito bem o que está acontecendo aqui e nós vamos acabar com isso!”

Fui brilhante. Você teria adorado. Abri com uma piada e expus todos os meus pontos. Fui firme. E coloquei cada um deles no seu devido lugar, depois da conversa. Me senti bem. Forte.

Dois dias depois, estava assistindo meu televisor portátil – um Telefunken – quando a imagem começou a tremer. Ok. Eu sempre prefiro conversar a partir pra ignorância. Fui até o televisor e disse: “Pensei que a gente tinha acertado isso…”

Mas a imagem continuou tremendo, então eu dei um murro nele. E me senti bem fazendo isso! Arrebentei ele! Bati em cima, bati do lado, bati na tela, joguei o controle no chão e dei uns petelecos no decoder. Me senti fabuloso. Muito Hemingway. Acabei com a máquina. O ser humano triunfou!

Dois dias depois, eu fui ao dentista. Cheguei lá, mas a cárie era tão profunda, que ele me mandou pro podólogo. Por isso fui ao consultório do médico, que ficava no Midtown de Manhattan. E eles também tinham um elevador operado por som. Entrei e escutei: “Por gentileza, diga seu andar, por favor”. Mas agora eu estava descolado, já tinha passado pela Costa Oeste, então respondi: “Décimo-sexto, por favor”. Aí, no meio do caminho, o elevador falou: “Ei, espera aí, você não é o cara que bateu no televisor?!”

Ele disparou pra cima, depois desceu acelerando pra baixo, me despejou tonto no lobby e ainda fez um comentário antissemita.

E isso nem foi o pior. A história ainda não acabou. No mesmo dia eu liguei pros meus pais e minha mãe me contou que meu pai tinha sido demitido. Meu pai, que tinha trabalhado doze anos para a mesma empresa, tinha sido trocado por um robô que fazia tudo o que ele fazia – só que muito melhor. O pior é que, quando escutou isso, minha mãe largou meu pai e comprou um robô pra ela.

Fonte: 

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