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Artigos • 25 mar, 2023

Choques entre tato e polidez, cópula e cólera, Lula e Moro


(por Mario Sergio Conti)- 

Seis teses e antíteses que, trombando entre si, buscam a síntese

Tato e polidez. No filme “Beijos Proibidos”, de Truffaut, Antoine Doinel se apaixona por Fabienne Tabard, cujo sorriso é de brecar uma locomotiva. Nervoso porque ela é casada, Doinel a chama de senhor e foge da sala onde estão sós.

Fabienne lhe escreve dizendo ter entendido por que ele a chamou de senhor: se um homem entra num banheiro e vê uma desconhecida nua em pelo, a polidez recomenda que fale “perdão, senhora”. Mas se ele diz a ela “perdão, senhor”, isso não é polidez; é tato.

Fabienne vai a seu quarto e propõe: ficarão juntos por algumas horas e nunca mais se verão. “Ficarão juntos”, óbvio, é um eufemismo de copular.

Rudes e refinados. Nabokov escreveu que “arrotar na frente de outras pessoas pode ser rude, mas pedir perdão depois de arrotar é prova de falso refinamento e, por isso, pior do que vulgar”. A pseudoelegância, diz, é um vírus burguês que contamina todas as classes.

O escritor informa que usa a palavra “burguês” no sentido dado por Flaubert, e não por Marx: “Trata-se de um estado de espírito, e não de um extrato de conta bancária. Um burguês é um filisteu satisfeito consigo mesmo, uma pessoa vulgar com ares distintos”.

Nesse sentido, “um operário ou um mineiro de carvão podem ser tão burgueses quanto um banqueiro, uma dona de casa ou uma estrela de Hollywood”. (“Lições de Literatura Russa“, Publifolha, página 270).

Dominantes e dirigentes. Marx e Engels escreveram em “A Ideologia Alemã” algo semelhante, embora genérico: “A classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (página 47 da edição da Boitempo).

A sociologia distingue a classe dominante da dirigente. A primeira é integrada por donos de empresas, enquanto a classe dirigente é formada por executivos do Estado ou da iniciativa privada –aqueles que, sem terem propriedades produtivas, gerenciam a obtenção do lucro e dele desfrutam.

Entende-se assim por que economistas, advogados, cronistas e deputados façam vista grossa para as vilanias do Banco Central ou dos patrões das Lojas Americanas –chamem-se eles Sicupira ou, o que é mais adequado, Sucupira. CEOs, ideólogos, generais: eis a classe dirigente.

Fala e escrita. A humanidade viveu milhares de anos sem escrever, o que não a impediu de progredir. E ainda hoje, no dia a dia, se fala muito mais do que se escreve. Logo, a fala é superior à escrita. É melhor ser analfabeto, condição que pode ser superada, do que um mudo incurável.

Redigir e ler. Para evitar que a improvisação perturbe a clareza, às vezes é melhor redigir antes o que será dito. Foi o que fez, na segunda-feira, a deputada Mathilde Panot na Assembleia Nacional francesa.

Lendo o discurso, a oposicionista disse na fuça da primeira-ministra, Élisabeth Borne, que ela capitularia diante das greves e manifestações contra o adiamento, por dois anos, da idade de aposentadoria.

Enfática, usou a anáfora, figura da retórica que repete as mesmas palavras no início de cada período. Disse 16 vezes “você cederá“, e Borne se retraiu como uma ostra.

Cópula e cólera. Numa entrevista ao site 247, Lula recordou sua prisão em Curitiba por ordem de Sergio Moro. Contou que falava na cadeia que só estaria bem se pudesse “foder esse Moro“. Era a cólera presidencial.

O dicionário Houaiss dá copular como primeira acepção de foder. O segundo sentido, figurado, é causar mal. Curioso o destino das palavras: o verbo que denota prazer é sinônimo de prejudicar.

Lula quer se vingar do juiz. Deus, que também era vingativo, pregou: “Olho por olho, dente por dente” (Êxodo 21:24). Mas não o seu Filho: “Ouviste: olho por olho, dente por dente. Porém eu vos digo: não se vingue de quem te faz mal. Se te derem um tapa na cara, vire o outro lado para ele bater” (Mateus 5:38).

Dias depois, Lula improvisou outra vendeta e disse que o juiz fez uma armação para se fingir de vítima. Seria bom se ele aclarasse por escrito por que vingar-se de Moro melhoraria a vida dos brasileiros pobres.

Ou então –por tato, para evitar a vulgaridade dominante, e porque a vingança é um prato que se come frio– que pare de falar de Moro.

*Publicado na Folha de S.Paulo




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